A recém-criada Secretaria de Saúde Digital no Ministério da Saúde (MS) abre as portas para um novo olhar para a transformação digital na saúde. E a escolha para a chefia da Secretaria não poderia ter sido mais acertada. A Profa. Dra. Ana Estela Haddad, professora titular da faculdade de Odontologia da USP, criou e dirigiu o Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, instituído em 2007. Com um respeitável currículo de 15 anos de atuação na área, boa parte deles trabalhando dentro do próprio MS, a nova secretária de Saúde Digital tem conhecimento e experiência de sobra para alavancar a Telemedicina e a Telessaúde ao status de prioridade dentro do Ministério.
O novo órgão conta com três departamentos: Saúde Digital e Inovação, Informação para o Sistema Único de Saúde (Datasus) e Avaliação e Disseminação de Informações Estratégicas. Uma estrutura que acerta ao enxergar a Saúde Digital essencialmente como inovação, alicerçada em mecanismos de informação, disseminação e avaliação contínuas.
Além da criação da secretaria, temos, enfim, pela primeira vez, uma Lei Federal Brasileira de Telessaúde, que regulamenta de maneira definitiva o atendimento à distância, modernizando a Lei que instituiu o SUS em 1990.
A nova lei revoga o texto aprovado em 2020, que permitia a aplicação apenas temporária da telemedicina durante a pandemia de Covid-19. A lei federal, sancionada ao final de 2022, dá ampla autonomia ao profissional de saúde para decidir pelo uso ou não das tecnologias da informação e da comunicação para acompanhamento de pacientes e consultas à distância.
Os estados e o Distrito Federal não ficam atrás nos esforços por inovação. A Secretaria de Saúde do Espírito Santo, por exemplo, publicou nos últimos dias de 2022 uma Portaria de Telessaúde Integrada. E já desde a primeira semana de janeiro, o DF está autorizado por lei a exercer a telemedicina em sua rede pública e privada.
Todo esse arcabouço regulatório fornecerá a estrutura básica para a prática remota, preservando a excelência no atendimento, a adequação aos preceitos éticos, a segurança e a privacidade das informações. A tecnologia torna-se, assim, aliada de profissionais de saúde e de pacientes, garantindo a possibilidade de uma atuação ainda mais completa por parte de quem provê o cuidado e de um consequente ganho de qualidade para quem o recebe.
Para nós, que acompanhamos o setor e ansiávamos por essa realidade há 20 anos, assistir a tudo o que está acontecendo é especialmente empolgante.
Lembro quando retornei ao Brasil, em 1991, após 10 anos na Technische Universitaet Darmstadt (Alemanha), onde fui diplomado doutor em Computação Gráfica. Na época, as interfaces gráficas ainda engatinhavam, e a interação homem-máquina apenas iniciava sua trajetória rumo ao mundo digital e às redes colaborativas.
Em meados dos anos 2000, a Telemedicina e a Telessaúde deram seu primeiro salto evolutivo no Brasil, graças à abertura de duas frentes: uma no Ministério da Saúde, com o Programa Nacional Telessaúde Brasil Redes, com Ana Estela Haddad à frente; e outra no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com a criação da RUTE (Rede Universitária de Telemedicina), capitaneada por mim, desde então coordenador nacional da rede de colaboração em saúde. Um segundo grande marco aconteceu em 2010, com o lançamento da UNA-SUS, a Universidade Aberta do SUS, que permitiu milhões de capacitações em todos os estados da federação.
Graças a essas três redes pioneiras, quando veio a pandemia, todos os hospitais universitários ligados à RUTE e as Unidades Básicas de Saúde participantes do Programa Nacional coordenado por Ana Estela já haviam alcançado um bom nível de prática efetiva na capacitação, no atendimento e no tratamento remotos, mesmo com as limitações impostas pela legislação então vigente.
Essa nova visão do Ministério da Saúde, aliada agora à nova legislação e à maior compreensão da sociedade sobre a importância da Saúde Digital, permitirá um avanço consistente no acesso por parte da população, por meio da inserção gradual dessas práticas no SUS. Considero que a tendência é chegarmos a um modelo híbrido, que poderíamos chamar de “figital” – um amálgama entre o físico e o digital para o atendimento em saúde.
Se agora já não falta mais nem atenção nem regulamentação ao setor, o próximo passo estratégico é alcançar um maior nível de profissionalização na área. Não tenho dúvidas de que a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa), por meio da RUTE e sua estratégia de saúde digital, pode contribuir de maneira decisiva para acelerarmos todas as prospecções de tecnologias capazes de revolucionar a formação de profissionais para a Prática Digital da Saúde.