Recentemente, a disciplina de Odontopediatria implementou em seus atendimentos, uma nova forma de selecionar pacientes: a teletriagem. Ao ser a primeira matéria a instalar esse sistema, os coordenadores da disciplina desenvolveram uma atividade de curricularização da extensão, muito almejada pela Comissão de Cultura e Extensão Universitária. A teletriagem se encaixa nesse tipo de atividade, pois é caracterizada por ser uma prática em que todos os alunos de uma determinada sala de aula realizam o procedimento/ação, ao passo que a população também é beneficiada e têm a oportunidade de avaliar o atendimento recebido. 

Para compreender melhor o processo de incluir uma nova forma de triagem, a Profa. Dra. Ana Estela Haddad, titular do Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, esclareceu algumas questões.

Como surgiu a ideia da teletriagem?

O Núcleo de Telessaúde e Teleodontologia FOUSP-SAITE  (NuTes) foi criado em 2007, de forma pioneira no Brasil, com o apoio do Ministério da Saúde, da OPAS e em colaboração com a Disciplina de Telemedicina da FMUSP (Prof, Dr. Chao Lung Wen). Desde então, desenvolve projetos integrados de ensino, pesquisa e extensão. A primeira iniciativa se deu durante a pandemia da COVID-19, quando tivemos a suspensão temporária das atividades de clínica, até o estabelecimento de novos protocolos de biossegurança. 

Naquele momento, o NuTes e a Disciplina de Odontopediatria, sob coordenação dos docentes Marcelo José Strazzeri Bönecker, Ana Estela Haddad e Maria Salete Nahás Pires Corrêa, e com alunos de pós doutorado, doutorado, mestrado e iniciação científica desenvolveram o Projeto TeleDentalPed.  O projeto consistiu no desenvolvimento de um website – Portal Saúde Bucal das crianças e a introdução de atividades clínicas de teleodontologia aplicadas à clínica de bebês na graduação. Após capacitação em aula teórica e demonstração prática, os alunos realizaram a teleorientação e o telemonitoramento dos bebês com seus responsáveis, sob supervisão docente. 

O sucesso da experiência nos levou a planejar a ampliação das aplicações da teleodontologia na graduação. Considerando que a triagem de pacientes é uma atividade muito importante e, ao mesmo tempo, exige dos pacientes e suas famílias o deslocamento para a clínica da FOUSP, sem a certeza de que poderão ser selecionados para tratamento, decidimos implementar experimentalmente a teletriagem, como uma atividade de curricularização da extensão, realizada pelos alunos de graduação sob supervisão docente. 

Quais foram as maiores dificuldades encontradas na implementação desse “novo sistema”?

Toda nova experiência demanda que possamos estar preparados para encontrar desafios que surgem quando decidimos transformar o que já está incorporado como rotina. É preciso ter a mente aberta, ser resiliente, criativo e flexível para inovar. Nós inauguramos o uso de um espaço criado recentemente como resultado de um projeto de pesquisa do NuTes contemplado em edital da Pró-Reitoria de Graduação de Laboratórios Didáticos. É o Laboratório Didático aplicado de Telessaúde, Saúde Digital e Inteligência Artificial – DigiLab. Ele tem 3 estações de teleatendimento e uma das questões foi adaptá-lo para o atendimento em dupla de alunos sob supervisão docente. 

Outro desafio é a capacitação dos alunos para a atividade e uso da plataforma de teleatendimento. A preparação da atividade é complexa, são várias etapas e exige um trabalho em equipe sincronizado e monitorado passo a passo. Desde a divulgação do serviço para interessados, o agendamento das teletriagens, a distribuição dos alunos pelas datas de agendamento garantindo que todos passem pela experiência, comunicar para os pais de crianças interessados como é esse novo formato de atendimento por meio da telessaúde/teleodontologia, adaptar os formulários de triagem e a interação para que as informações do teleatendimento constem do Sistema Romeo. 

Qual a maior vantagem que notou ao utilizar a nova técnica de triagem?

A principal vantagem é poder estabelecer o primeiro contato com a criança e seu responsável sem a necessidade do deslocamento, poder na maioria dos casos definir por meio da anamnese, relato dos pais se o caso tem indicação para atendimento na clínica de graduação ou se deve ser encaminhado para especialização ou outro serviço. Ao mesmo tempo é uma oportunidade para orientações preventivas e esclarecimento de dúvidas dos pais sobre a saúde bucal dos seus filhos. 

O NuTes já desenvolveu outros 2 projetos de implementação da teletriagem. Um deles com recursos de Edital da Pró Reitoria de Cultura e Extensão Universitária, no Serviço de Odontologia da Superintendência de Atenção à Saúde da USP: com a suspensão dos atendimentos na pandemia, o serviço ficou com uma fila de atendimento represada de aproximadamente 1.500 pacientes. Com a implementação da teletriagem foi possível organizar a fila por ordem de prioridade baseada na gravidade dos casos, encaminhar a outros serviços casos que não poderiam ser resolvidos naquela clínica e retirar da fila casos que já haviam buscado outros serviços. 

Nós também implementamos a teletriagem no CAPE que recebe pacientes de todo o país, os quais apresentam os maiores desafios de acessibilidade e para os quais o deslocamento para receber atendimento é bem mais complexo e custoso que o normal. 

Como funciona na prática a teletriagem?

Após o agendamento e orientações que são enviadas ao paciente para que se prepare adequadamente, o paciente recebe o link e no horário agendado para participar da vídeo chamada por meio deste link, podendo ser no seu celular ou em um computador. O profissional que fará o atendimento, no caso a dupla de alunos com a supervisão de um docente, acolhe o paciente por meio da vídeo chamada da plataforma de teleatendimento, que no nosso caso é integrada a um prontuário eletrônico. O primeiro passo é testar o áudio e a imagem e verificar se a comunicação pode ser feita com qualidade. Em seguida a teleconsulta se inicia seguindo um roteiro pré estabelecido de perguntas e as respostas são registradas em um formulário para posterior consulta e processamento com vistas à alocação dos pacientes para atendimento na clínica de graduação ou em outros serviços. Ainda que este teleatendimento tenha como propósito a triagem, a oportunidade é aproveitada para orientações preventivas com relação à saúde bucal da criança, com base na idade e necessidades observadas. 

Os pacientes têm gostado dessa nova triagem? E os alunos?

Desde a implementação inicial temos aplicado um questionário de satisfação para os pais e alguns instrumentos de avaliação e monitoramento da experiência nos alunos. E temos constatado um alto grau de satisfação. Um dos instrumentos que aplicamos e fez parte da tese de doutorado da colega Gabriela Sá, orientada pelo Prof. Dr. Marcelo Bonecker, e da dissertação de mestrado da colega Isabelle Anibal, pela Profa. Dra. Ana Estela Haddad, mede a expectativa antes do uso da tecnologia e como ela se modifica após a experiência. Aqui podemos observar o depoimento de uma aluna após ter realizado o teleatendimento pela primeira vez. 

“A experiência do teleatendimento me surpreendeu. Estava mais nervosa no teleatendimento do que presencialmente, mas no decorrer do atendimento fui ficando mais confiante. Não imaginava que pelo teleatendimento pudéssemos sim, estimar risco de cárie e entender a realidade do paciente em sua rotina.”

Fotos: Arquivo pessoal