Dias difíceis pelos quais a Faculdade de Odontologia passou.

No dia 17 de março de 2020, a Diretoria da Faculdade foi informada de que uma de suas funcionárias, do Setor de Urgência da Clínica Odontológica, havia manifestado sintomas clínicos próprios de ter adquirido a COVID-19.

 Imediatamente as atividades clínicas foram suspensas.

As notícias davam conta de situações calamitosas nos países da Europa  e, pouco se sabia sobre a nova doença.

Era o início da pandemia (COVID-19) que mudou a rotina do mundo.

 Mas, naquele momento, já tínhamos noção dos vários desafios que o mundo estava enfrentando, mas o que não tínhamos era a ideia do que estava por vir.

 A Universidade de São Paulo passou a emitir comunicados solicitando que as Unidades de seus “campis” suspendessem as aulas presenciais em todas as suas modalidades, sejam elas teóricas, de laboratórios e as de práticas clínicas com atendimento de pacientes e se preparassem para suspender também as atividades administrativas, a partir de 24 de março de 2020. Seu intuito era garantir a segurança dos estudantes, professores e servidores diante de uma doença de difícil controle, desconhecida nas suas manifestações clínicas e que, marcadamente, estava levando a óbitos uma quantidade enorme de pessoas.

 Por outro lado, deveria ser assegurada a continuidade do ensino seja para a manutenção dos vínculos dos estudantes, seja para a diminuição do estresse causado por situações desse porte. Recomendava-se, então, por decisão da Pró-Reitoria de Graduação, o ensino das atividades teóricas por meio do ensino à distância. A Faculdade de Odontologia se viu, de uma hora para outra, a enfrentar e a se envolver com uma nova logística – as aulas com transmissão “on line”.

A Comissão de Graduação da Faculdade de Odontologia, presidida pelo Professor Dalton Luis de Paula Ramos viu-se frente a dilemas e desafios. Qual plataforma de ensino remoto deveria ser implementada; a síncrona ou a assíncrona. Entre essas opções qual seria a mais simples e com maior probabilidade de aceitação dos seus docentes e, com qual delas os seus estudantes encontrassem menores dificuldades.

Percebia-se, naquele curto espaço de tempo para a tomada de decisões, que o ensino da graduação seria, dentre as atividades-fim da Universidade (ensino, pesquisa e extensão) o que teria maiores dificuldades, e que a concentração dos esforços da Universidade como um todo deveria estar voltada em sua totalidade para a mitigação de eventuais problemas que iriam surgir e que seriam desafiadores para a sua continuidade e o alcance de um provável sucesso, em que se tinham muitas dúvidas.

 Na Faculdade de Odontologia eram 782 estudantes, com o desenvolvimento de 57 disciplinas obrigatórias, 14 disciplinas optativas com 143 professores e, ainda, sem agregar as disciplinas dos Institutos de apoio ao ensino odontológico: O ICB (Instituto de Ciências Biomédicas), o IB (Instituto de Ciências Biológicas) e o IQ (Instituto de Química).

 O primeiro enfrentamento: acesso ao ensino remoto dos estudantes e professores. Alguns professores dominavam a plataforma; outros mais ou menos e, também, os que não tinham tido qualquer domínio ou treinamento. A Universidade de São Paulo, que sempre viveu à frente de seu tempo, estava preparada tecnologicamente, com uma plataforma para conteúdos digitais – o Moodle. Mas, era necessário capacitar a maioria dos docentes, apesar que a Faculdade de Odontologia, uma unidade de ensino e pesquisa de atividades práticas, já disponibilizava conteúdos teóricos e preparava vídeos no seu Centro de Processamento Digital – o CPDigi, com auxílio técnico. Naquele momento, porém, era preciso que cada docente criasse seu próprio conteúdo, já que a equipe de tecnologia da informação não daria conta de atender os 143 docentes ao mesmo tempo.

A solidariedade e o companheirismo se mostraram fundamentais. Os docentes mais proficientes nas tecnologias dispuseram–se a auxiliar os colegas e, em pouco tempo, havia tutoriais básicos para a criação de vídeos. Mais do que isso: os docentes passaram a adaptar os conteúdos em vídeos curtos e repensaram a forma de transmitir a mesma informação sem contato em tempo real e sem saber quais dúvidas os estudantes teriam.

O outro enfrentamento: dos estudantes. Os gargalos apareceram: a internet, os computadores, os notebooks e, ainda, os problemas dos que residiam no CRUSP.

 Associados a isso, professores e estudantes depararam-se com a necessidade de utilizar os ambientes domésticos para o trabalho e os contornos de ordem familiar com o compartilhamento dos computadores. Aos residentes no CRUSP era preciso providenciar não só a internet, mas também os equipamentos. E, mais uma vez, os estudantes se dedicaram a  auxiliar seus colegas e mesmo aos professores, preocupados em continuar seus estudos. O Centro Acadêmico XXV de Janeiro empreendeu todos os seus esforços.

 A Comissão Coordenadora de Cursos, com apoio de seu Coordenador Professor Giuseppe Alexandre Romito e da Comissão de Graduação, criou o Grupo de Trabalho Didático-Pedagógico (GADt) com o objetivo de estabelecer uma referência na FOUSP quanto aos princípios pedagógicos, manuseio e aplicação de ferramentas digitais no ensino-aprendizagem da graduação. Os Professores Ana Estela Haddad, Luciana Correa, Mary Caroline Skelton Macedo, Celso Zilbovicius, Fernanda Campos de Almeida Carrer e Neide Pena Coto, em pouco tempo, elaboraram um guia, criaram uma página no site da Faculdade de Odontologia, fizeram um formulário para comunicação com o corpo docente e produziram tutoriais para orientar o uso de ferramentas em suas diversas possibilidades.

 A rápida tomada de decisão, a colaboração das equipes e o apoio dos órgãos centrais da Universidade de São Paulo foram fundamentais para atender às diferentes necessidades para a continuidade do ensino.

 A Pró-Reitoria de Graduação, com auxilio da Superintendência de Tecnologia da Informação da USP, distribuiu “modens”, primeiro aos estudantes beneficiários de auxílios de permanência estudantil e, depois, aos demais estudantes com algum tipo de necessidade. A Reitoria solicitou à Unidade que mantivesse um local com alguns equipamentos para acesso dos estudantes, preservadas as medidas de distanciamento físico e ventilação.

Além da graduação, outras áreas passavam     por desafios. A pós-graduação adaptou-se para as defesas de tese por videoconferência, mas as pesquisas clínicas e as de laboratório não tinham como ser desenvolvidas.

 A Pró-Reitoria de Pós-Graduação ampliou os prazos, e as agências de fomento concederam prorrogações para as bolsas, mediante justificativas. Os cursos de extensão universitária, assim como a graduação, só podiam ministrar o conteúdo teórico remoto, mesmo assim, sob autorização do Conselho de Classe Profissional.

O segundo enfrentamento: preparar a Faculdade de Odontologia da USP para o retorno presencial das atividades acadêmicas e administrativas. Isso no início do mês de abril de 2020. Sob a Coordenação do Professor Giulio Gavini, Vice-Diretor, montou-se um Grupo de Trabalho – das Adequações dos Ambientes Internos e Externos – com envolvimento da Supervisão da Clínica Odontológica, da Administração, da Informática e da Comissão de Biossegurança. De forma ágil e remotamente mapearam protocolos, modelos, normas técnicas nacionais e internacionais, consultas a especialistas, reuniões com outras faculdades de odontologia publicas do estado de São Paulo, com a Associação Brasileira de Ensino  Odontológico, entre outros encontros. Na primeira quinzena do mês  de maio esse Grupo de Trabalho já apresentava um documento amplo, aberto a  atualizações, no qual estavam contidas as normas relativas aos vários aspectos de atuação da FOUSP: como deveriam  ser os ambientes das salas de aula, as adequações e modificações físicas dos setores da Clínica Odontológica; a climatização mais apropriada dos ambientes com os sistemas de exaustão e ventilação; o controle dos aerossóis; a ocupação da Clinica Odontológica, das salas de aula, dos laboratórios de ensino e pesquisa, dos ambientes internos e externos da Faculdade; os modos operacionais do distanciamento; como lidar com as descontaminações dos equipamentos, dos aparelhos , dos materiais e dos instrumentais de uso odontológico; a migração para  os prontuários clínicos eletronicos; as paramentações dos estudantes, professores e servidores; o fluxo dos pacientes; os EPIs; os descartes de resíduos e a construção de uma tenda externa para a recepção e triagem dos pacientes.

Esse documento, elaborado para ser dinâmico e apropriado para receber atualizações periódicas, continha orientações para assegurar, com a maior segurança possível, o retorno da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo à suas atividades. Baseado nesse documento, entram em ação, em junho de 2020, 10 professores, 04 servidores e 01 estudante de graduação para a formação da Comissão de Retorno. Seria responsável para traçar as prioridades para a ocupação dos laboratórios de ensino e pesquisa e da Clínica Odontológica com a aplicação de uma reengenharia que estabelecesse a melhor e mais adequada distribuição da grade horária das disciplinas.

Diversas modificações foram realizadas para proporcionar o retorno seguro dos estudantes. Fruto de um trabalho conjunto das três Faculdade de  Odontologia da USP – São Paulo, Ribeirão Preto e Bauru – por meio da Pró-Reitoria de Graduação e da Vice-Reitoria foram destinados recursos financeiros para as adequações dos ambientes físicos, para a aquisição dos EPIs (máscaras, face shields, gorros e aventais) e dos pijamas aos estudantes , professores e servidores da Clínica Odontológica  e dos vários laboratórios da Faculdade.

O planejamento para o retorno estava pronto. As expectativas também. Seria no mês de agosto, em setembro ou novembro? As Faculdades das áreas da saúde da Universidade de São Paulo já tinham autorizações para o retorno das aulas presenciais, com prioridade específica para os estudantes do ultimo ano, os concluintes.

 Agora era aguardar as liberações, conforme os Planos de Contingência determinados pelo Governo do Estado de São Paulo e, da própria USP.

 Em novembro, a USP publicou o calendário de reposição das aulas de 2020, que estabelecia para os concluintes de graduação a data final de março de 2021 e, para as outras turmas, o mês de julho.

 Movimentos das turmas concluintes dos cursos integral e noturno (turmas 121 e 122) solicitaram das autoridades responsáveis pela graduação e da diretoria da Faculdade de Odontologia as finalizações das atividades baseadas em portaria emanada pelo governo federal. A Faculdade, pela Comissão de Graduação, respondeu que pela manutenção mínima da qualidade de ensino oferecidos e pela necessidade do cumprimento mínimo dos dias letivos, o atendimento das solicitações não seriam aceitos. Entretanto, se prontificou, de imediato, a realizar um novo empenho na tentativa de mitigar ainda mais a possibilidade de redução dos prazos e um novo planejamento acadêmico foi executado  baseados em orientações vindas da Pró-Reitoria de Graduação. Para cada estudante concluinte, uma varredura, de sua situação nas disciplinas oferecidas nesse ultimo ano, foi realizada. São computadas as horas atividades teóricas, nas práticas e no cumprimento dos estágios. Essa vasta análise revelou que os estudantes tinham cumprido uma alta média das atividades e que uma grande parte ainda não tinha informado suas horas em estagio. Isso indicou que existia a possibilidade de flexibilização do calendário e que todas as atividades poderiam ser cumpridas até a data de 29 de janeiro de 2021, preservando a qualidade do ensino, cumprindo os dias letivos e garantindo a missão da Faculdade de Odontologia da USP de formar cirurgiãs e cirurgiões-dentistas, por meio de uma estrutura educacional técnico-científica com extrema repercussão no estado de São Paulo e no país.

 No dia 19 de fevereiro de 2021, realizou-se a Sessão de Colação de Grau das Turmas 121 e 122 (124 estudantes) – pela primeira nos 120 anos de existência da Faculdade de Odontologia da USP, no formato remoto, atendendo, porém, as normas: uma sessão solene, aberta ao público (remotamente), para conferir o grau de cirurgião-dentista aos formandos.

 Em agosto de 2021 foram iniciadas as aulas do 2º semestre, com restrições somente às aulas teóricas, que ainda deveriam ser ministradas remotamente. O retorno às atividades laboratoriais e clínicas entraram em compasso de normalidade.

Por isso, hoje, 24 de março de 2025, estamos referenciando os 5 anos do inicio  daqueles desafios que o mundo e a Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo enfrentaram e que não se tínha a idéia do que estava por vir.

Foram dias difíceis, mas com foco, determinação, tolerância e colaboração de todos: professores, estudantes e servidores chegamos a um porto seguro.

Professor Rodney Garcia Rocha
Diretor da Faculdade de Odontologia da USP, no período vivenciado por esses dias difíceis, porém, honrado pelo privilégio de colaborar com esse período histórico da FOUSP.