publicado no Jornal da USP

Parte do Programa SUS Digital, projeto visa implementar 34 centros de telessaúde em locais de difícil acesso por todo o Brasil até o fim de 2025

Texto: José Adryan Galindo* e Arte: Joyce Tenório**

O Núcleo de Telessaúde e Teleodontologia (NuTes) da Faculdade de Odontologia (FO) da USP está participando de uma iniciativa junto à equipe da Secretaria de Informação e Saúde Digital (Seidigi) do Ministério da Saúde com o objetivo de levar a saúde bucal a distritos sanitários localizados em territórios indígenas. A doutora em ciências odontológicas pela FO, Camila Huanca, representante do NuTes, embarcou no dia 10 de junho em uma viagem para São Félix do Araguaia, cidade próxima ao território indígena Parque do Araguaia, localizado entre o Tocantins e o Mato Grosso. Lá, ela  participou do processo de capacitação das equipes de profissionais da saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), que atuam em Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).

O projeto faz parte do processo de implementação da Estratégia de Telessaúde do Programa SUS Digital do Ministério da Saúde. Um dos objetivos do programa é fortalecer a saúde digital para atendimento de povos originários e populações negligenciadas, vulneráveis e geograficamente isoladas em todo o País.

A Seidigi, por meio do Departamento de Saúde Digital e Inovação, vem realizando conversas com os DSEI para levar a telessaúde aos territórios indígenas. O NuTes da Faculdade de Odontologia da USP, como único núcleo de telessaúde e teleodontologia do Brasil, entrou no projeto para ajudar no processo de qualificação de profissionais da saúde bucal. Sob orientação da Coordenação-Geral de Saúde Bucal da Secretaria de Atenção Primária do Ministério da Saúde, o objetivo da iniciativa é facilitar a interação desses profissionais com as tecnologias de teleodontologia, especialmente aqueles que atuam em áreas de difícil acesso.

A Telessaúde (TS) é a forma de promoção da saúde através da utilização de tecnologias de comunicação a distância. No caso dos DSEI, a TS possibilita que as unidades locais de saúde façam exames e os enviem remotamente para unidades maiores, onde os resultados são analisados e voltam para as unidades locais, dispensando o deslocamento do paciente. Outro fator é a possibilidade de profissionais residentes receberem instruções por meio da internet, acelerando diagnósticos e o início dos tratamentos.

O Núcleo de Telessaúde da FO também planeja a criação de cursos sobre odontologia, que ficarão disponíveis em formato digital a profissionais que estão em locais de difícil acesso. Desde 2016, o núcleo, em parceria com a Universidade Aberta do SUS, da Universidade Federal do Maranhão, vem desenvolvendo expertise na criação de cursos digitais odontológicos que facilitem o acesso para o aprendizado dos profissionais.

Os processos de implementação da telessaúde e teleodontologia vêm acontecendo nos DSEI Araguaia, Xingu e Xavante. Descendente de povos originários, Camila Huanca acompanhou as reuniões com as lideranças indígenas e participou do processo de capacitação dos profissionais que trabalham nos territórios. 

Em entrevista ao Jornal da USP, ela falou sobre a experiência: “Especificamente, esta ação nos DSEI tem sido uma experiência muito importante e gratificante, pois tenho como meus ascendentes o povo originário Aymara e sei do potencial benefício da telessaúde em populações vulneráveis e isoladas geograficamente”, afirma a dentista e pesquisadora. 

Camila Huanca - Foto: Linkedin
Camila Huanca – Foto: Linkedin

Paralelamente, o projeto também serviu para que o Núcleo de Teleodontologia da FO coletasse dados importantes para um diagnóstico da situação no local, como, por exemplo, formas de atender às necessidades de formação e educação dos dentistas dos DSEI. Com base na experiência e relatórios, Camila teve a oportunidade de aprimorar as técnicas de ensino de profissionais por meio da teleodontologia. 

Lideranças indígenas do DSEI Araguaia – Foto: Emanuel Cardoso/Apoio de Comunicação da SEDIGIDSEI Araguaia – Foto: Emanuel Cardoso/Apoio de Comunicação da SEDIGILideranças do DSEI Araguaia – Foto: Emanuel Cardoso/Apoio de Comunicação da SEDIGILideranças do DSEI Xavante – Foto: Emanuel Cardoso/Apoio de Comunicação da SEDIGIProfissionais de saúde do DSEI Xavante – Foto: Emanuel Cardoso/Apoio de Comunicação da SEDIGILideranças do DSEI Xingu – Foto: Emanuel Cardoso/Apoio de Comunicação da SEDIGI

Participação da comunidade

A comunidade indígena local tem demonstrado estar bastante animada com a chegada das novas tecnologias. Nos DSEI visitados pelo projeto nesse mês, para receber atendimento médico era necessário levar o indígena à capital, o que, além de demorado (mais de 10 horas de viagem de carro), desencorajou muitos a completarem os tratamentos. Outro fator que atrapalhava a continuação dos tratamentos era o alto gasto com combustíveis.

De acordo com a pesquisadora, todo o processo de implementação das tecnologias feito pela Seidigi tem sido apresentado e debatido com lideranças indígenas. “Nestas visitas percebemos como é fundamental o engajamento e envolvimento das lideranças representadas pelos presidentes do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena) e pelo coordenador do DSEI de cada um dos distritos visitados. Esse é um passo inicial importante, pois serão eles que irão envolver as comunidades, conversando e explicando, na língua deles, como funciona a telessaúde e mostrando que, inclusive, o cuidado especializado pode ser realizado na Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI)”, aponta a pesquisadora. 

Edmundo Tapirapé - Foto: Arquivo pessoal
Edmundo Tapirapé – Foto: Arquivo pessoal

O presidente do Condisi do Araguaia, Edmundo Tapirapé, falou sobre a expectativa dos indígenas do local. “Na verdade, para nossos parentes e companheiros indígenas isso é novidade. É um mecanismo novo mesmo. Eles acham que vai melhorar com o trabalho da telessaúde. Porque tivemos capacitação dos profissionais. Doutores que entram na área (DSEI), enfermeiros, odontólogos, então eles estão vendo que vai melhorar com a vinda da telessaúde e com essa colaboração. Também pela distância que o paciente viaja, ao invés de solucionar aqui na região. Mas como não tem, o paciente é deslocado até a capital. Nesse sentido, eles estão vendo que vai ter um avanço de fazer o tratamento aqui também, ou diagnosticar algumas doenças que atingem a nossa comunidade”, afirmou ao Jornal da USP.

De acordo com Edmundo, outro fator que tem animado os indígenas assistidos pelo programa é a proximidade com a família durante as consultas e tratamentos. “O paciente percebe que vai estar perto da família, não vai estar se deslocando toda vez. Pois, quanto mais ele permanece próximo à família, existe maior disposição para fazer o tratamento”, relatou o líder indígena. 

A ação, que faz parte do Programa SUS Digital, é coordenada pelo Departamento de Saúde Digital e Inovação da Secretaria de Informação e Saúde Digital, que tem como secretária a também professora da FO Ana Estela Haddad. O programa visa implementar, até o fim do ano,  17 centros de telessaúde em DSEI e mais 17 no ano de 2025.

*Estagiário sob supervisão de Tabita Said