publicado no Jornal da USP

Iniciativa oferece modelos cranianos impressos de forma tridimensional para auxiliar na pesquisa e educação de pessoas com deficiência visual

Texto: Gabriela Varão*
Arte: Diego Facundini**

Projeto traz novas possibilidades para a compreensão e exploração do corpo humano por pessoas com deficiência visual – Foto: Israel Chilvarquer

O Projeto Segmenta, desenvolvido por professores da USP em parceria com diversas instituições, surgiu com uma proposta de auxiliar o ensino de pessoas com deficiência visual por meio da produção de modelos anatômicos em formato tridimensional. A iniciativa, criada em outubro de 2023, é coordenada por Paulo Eduardo Capel Cardoso, professor da Faculdade de Odontologia (FO) da USP no Departamento de Biomateriais e Biologia Oral. Ele possui baixa visão e decidiu usar os materiais de impressão 3D para ajudar outras pessoas na mesma situação.

“O Projeto Segmenta utiliza tomografias computadorizadas de alta geração para fazer a impressão de modelos de crânio em 3D. Esses modelos permitem que pessoas com deficiência visual tenham o acesso tátil a essas peças que reproduzem os ossos da cabeça para fins educativos. A pessoa tem a oportunidade de conhecer os membros do rosto, da cabeça, e isso é muito importante para quem tem baixa visão”, explica Lúcia Maria Ramos, coordenadora do Centro de Recursos de Aprendizagem e Inovação (Crai) e integrante do projeto.

Lúcia Maria Ramos – Foto: FOUSP

Protótipo de mandíbula desenvolvido pelo projeto – Foto: Paulo Capel

Ao fornecer uma representação física das estruturas cranianas, o projeto traz novas possibilidades para a compreensão e exploração do corpo humano por pessoas com deficiência visual, proporcionando uma experiência tátil mais rica e detalhada. Thiago Beaini, participante do grupo e professor na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) enfatiza a importância dessa iniciativa. “A pessoa com baixa visão consegue ter a sensação da figura, de cada osso, sentir os contornos”, explica.

A iniciativa é resultado de uma parceria entre o Crai, o Instituto de Documentação Ortodôntica e Radiodiagnóstico (Indor), a Faculdade de Odontologia da UFU, o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e a FO da USP. 

Thiago Beaini – Foto: ResearchGate

Impressão em 3D

As impressões tridimensionais são feitas a partir de imagens de tomografia computadorizada. Para fazer a impressão, as imagens são segmentadas e transformadas em objetos virtuais. A ação de segmentação deu nome ao projeto. “Segmentar significa retirar uma estrutura da tomografia. É possível remover uma estrutura específica e formar o modelo 3D. O processo de segmentação consiste em ver a tomografia computadorizada e identificar o que é osso, músculo, dente, tecido mole, criar um modelo 3D a partir dessa informação e depois materializar, por meio da impressão”, explica Beaini sobre o processo em que o crânio é subdividido em estruturas de arquivos separados, que serão impressos em 3D. 

Imagens computadorizadas do crânio dividido em estruturas para impressão em 3D – Fotos: Cícero de Moraes

De acordo com o professor Paulo Capel, a impressão tridimensional pode levar horas para ser concluída, mas existem algumas alternativas, como o uso da máquina de sinterização a laser, que possui um custo mais elevado.

Os docentes desenvolveram placas em braille contendo a identificação e descrição do material impresso. Segundo Fábio Siviero, professor do ICB, “a ideia é fazer legendas táteis dos modelos para facilitar a leitura e identificação das estruturas. Essa legenda é impressa com tecnologia 3D em braille, de forma que a pessoa com baixa visão ou cega consegue ler e reconhecer a estrutura representada. Colocamos o nome e pequenos textos explicativos. Também elaboramos a audiodescrição da peça, disponibilizada em um QR code, facilitando a compreensão”.

Fábio Siviero – Foto: CV Lattes

Modelos com patologias

Além das impressões de modelos anatômicos normais, o grupo também faz estruturas com lesões. Um exemplo dado por Paulo Capel foi a exposição de protótipos de patologias, como de uma mandíbula com ameloblastoma, tumor odontogênico. A mandíbula foi reconstruída em 3D e exposta no 1º Evento Imersivo Bengala Verde Brasil, do qual o projeto participou. 

Também foram feitos modelos sem lesões e patologias, para que as pessoas pudessem comparar e entender as diferenças. As peças produzidas pelo grupo ficam expostas no Crai, na Faculdade de Odontologia. 

Visão tomográfica de mandíbula com ameloblastoma e ao lado o protótipo da estrutura anatômica reconstruída em 3D – Fotos: Thiago Beaini e Israel Chilvarquer

Para além dos modelos de anatomia humana, o coordenador conta que o projeto também pretende expandir a área de atuação com a inclusão de um professor do Instituto de Oceanografia da USP. “Queremos trazer um especialista em cetáceos, baleias e golfinhos. A nossa meta é imprimir a estrutura óssea de golfinhos para que as pessoas possam tocar nesses esqueletos, então vamos ampliar o projeto também para área de biologia marinha”, informa.

A proposta é usar as estruturas produzidas para o ensino de alunos com deficiência visual, mas não apenas. De acordo com o coordenador, qualquer pessoa pode ter acesso às imagens digitais e fazer a impressão dos modelos. Dessa forma, eles podem ser usados tanto por profissionais da saúde quanto em situações mais básicas de ensino, como em escolas e nas universidades.

Mais informações: paulocapel@usp.br

Paulo Eduardo Capel Cardoso – FOUSP

*Estagiária sob supervisão de Tabita Said e Antonio Carlos Quinto
**Estagiário sob supervisão de Moisés Dorado